A pequena Sara do Nascimento, de oito anos, geralmente acorda por volta das 10h, mas não pode abrir as cortinas do quarto. Feitas com um tecido especial chamado blecaute, elas escondem as estreitas janelas (com cerca de 15 cm de largura) e bloqueiam a entrada de raios solares no ambiente. Depois de tomar o café da manhã, Sara inicia um ritual pouco comum entre as crianças da sua idade: fica completamente sem roupa para que sua mãe, Rosana Sbaraini Amâncio do Nascimento, 31, espalhe o bloqueador solar fator 60 por todo o seu corpo e observe detalhadamente sua pele em busca de uma nova pinta ou lesão. Em seguida, a menina veste roupas confeccionadas sob medida com tecidos especiais que a protegem contra a luz ultravioleta emitida pelos raios solares e presente nas lâmpadas comuns. Só então ela pode ir para o quarto de brinquedos --igualmente protegido da luz-- para brincar com a irmã mais nova, Maria, de três anos.
Sara Nascimento, 8, brinca com bola de sabão na escola, em Joinville (SC); roupas especiais protegem pele da garota
Sara sofre de uma doença rara chamada xeroderma pigmentoso. A doença é genética e provoca extrema sensibilidade à luz solar --o que aumenta em mil vezes o risco de ela desenvolver um tumor de pele. É por isso que Sara é obrigada a se proteger com bloqueador, chapéu, óculos de Sol, luvas e roupas compridas mesmo em casa.
O diagnóstico foi feito quando Sara tinha 11 meses. A mãe achava estranho o fato de os olhos da menina estarem constantemente lacrimejando e, além disso, várias pintas tinham aparecido no corpo. Um dermatologista disse à família que a menina tinha sensibilidade à luz e não deveria se expor em hipótese alguma ao Sol. Um segundo profissional foi procurado e confirmou o diagnóstico.
"Quando ouvimos o diagnóstico, perdemos o chão, mas não a vontade de lutar por ela. A primeira providência que tomamos foi adaptar nossa casa. Diminuímos as janelas, compramos cortinas especiais e forramos o teto com caixinhas de leite, que impedem que o calor entre", explica o soldador Tarcísio do Nascimento, 31, pai de Sara.
Além disso, a família conquistou na Justiça o direito de receber gratuitamente da prefeitura de Joinville (SC), onde mora, as roupas especiais, os remédios e o bloqueador solar.
Aluna exemplar
Para proporcionar mais conforto e segurança para a menina, as salas de aula da Escola Municipal Professora Eladir Skibinski foram adaptadas e também receberam cortinas blecaute para impedir a entrada do Sol e ar condicionado --já que as janelas ficam fechadas.
Aluna do terceiro ano do ensino fundamental, Sara só tira notas altas e não tem atraso neurológico --uma das possíveis consequências da doença. "Ela ama ir à escola. É o local onde mais se diverte. Ela é uma menina feliz, se ama do jeito que é, não reclama de nada, simplesmente vive", diz a mãe.
Gene recessivo
O xeroderma é uma doença hereditária recessiva provocada por um defeito em pelo menos um entre nove genes conhecidos. O corpo humano tem cerca de 25 mil genes.
Esses genes produzem proteínas que têm a função de detectar e consertar as alterações na estrutura do DNA causadas pelos raios ultravioleta, após reiteradas exposições ao Sol.
No caso de Sara, esses genes são defeituosos e, portanto, as células alteradas pela luz não são corrigidas e podem se dividir e formar um câncer de pele. Desde a descoberta da doença, Sara já fez cinco cirurgias para tirar 20 lesões suspeitas, nenhuma maligna.
"As roupas e o bloqueador a protegem contra cerca de 98% da radiação solar. Os outros 2% se acumulam no organismo", diz Salmo Raskin, médico de Sara e presidente da Sociedade Brasileira de Genética Clínica. Por ser uma doença recessiva, o xeroderma é mais comum entre nascidos de casamentos consanguíneos --em que o risco de duas pessoas terem o mesmo erro genético é maior. Os pais de Sara são primos; seis dos oito tios dos pais da menina são casados com primos e os avós também são primos. Mesmo com tantos casamentos entre membros da família, esta é a primeira vez que a doença se manifesta --ao menos nas gerações mais recentes. E, apesar de saber que um outro filho teria 25% de risco de apresentar a doença, o casal decidiu ter outra filha --Maria não tem xeroderma, mas sofre de epilepsia e atraso mental. "A decisão de ter outro filho foi consciente e planejada. Não queríamos que a Sara vivesse para sempre sozinha, trancada em uma casa escura e convivendo apenas com adultos. O xeroderma praticamente tirou o nosso direito de ir e vir, mas não poderíamos deixá-lo tirar o nosso sonho de ter outro filho. A Sara e a Maria se completam", diz Rosana, emocionada.
Fonte: Folha de S.Paulo por FERNANDA BASSETTE
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