quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

As pistas de Darwin - 200 anos de Darwin,


Parte/trecho da noticia publicada na revista National Geographic Brasil
Por: David Quammen | Foto: Luciano Candisani, Minden Pictures
Publicado em 01/2009

A viagem do jovem Charles Darwin a bordo do navio britânico HMS Beagle, durante os anos 1831 a 1836, é um dos episódios mais conhecidos e romanceados em toda a história da ciência. Darwin embarcou no Beagle como naturalista, visitou o arquipélago de Galápagos, na região leste do oceano Pacífico, e ali topou com tartarugas gigantes e tentilhões. Havia várias espécies dessa ave, e elas distinguiam-se pelo formato variado do bico, sugerindo que cada qual era apropriado a uma dieta específica. E as tartarugas, de uma ilha para outra, também exibiam carapaças com formas diferentes. Tais pistas encontradas em Galápagos levaram Darwin a concluir que a diversidade dos seres vivos na Terra se devia a um processo orgânico de transmissão hereditária de modificações - ou seja, um processo de evolução -, baseado em um mecanismo de seleção natural. Darwin escreveu então um livro intitulado A Origem das Espécies, e convenceu todo mundo, com exceção dos líderes da Igreja Anglicana, que era assim que as coisas haviam ocorrido.

Bem, mais ou menos. Esse relato simplista da viagem do Beagle e suas consequências contêm boa dose de verdade, mas também confundem, distorcem e omitem muita coisa. Por exemplo, os tentilhões não foram tão esclarecedores quanto à diversidade de sabiazinhos existentes no arquipélago, e Darwin não conseguiu tirar nenhuma conclusão com base neles antes de recorrer à ajuda de um especialista em aves na Inglaterra. A escala em Galápagos foi uma breve anomalia no final de uma expedição dedicada sobretudo ao levantamento do litoral da América do Sul. Além disso, Darwin não embarcou no Beagle como naturalista da expedição; ele não passava de um rapaz de 22 anos, recém-formado pela Universidade de Cambridge e destinado a uma carreira como clérigo rural - perspectiva que não o animava muito. Na verdade, ele foi convidado a participar da viagem para servir de companhia ao capitão do barco, Robert Fitzroy, um jovem brilhante e instável aristocrata.

Darwin, a despeito de sua função oficial no navio, acabou desempenhando o papel de naturalista e, no decorrer da viagem, passou a se ver como tal. No entanto, a sua teoria foi se delineando, e A Origem das Espécies (cujo título completo era Da Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida) apenas seria publicado em 1859. Muitos cientistas, assim como alguns clérigos vitorianos, resistiram durante décadas às evidências e aos argumentos por ele propostos. O conceito de evolução foi bem-aceito enquanto Darwin ainda vivia, mas a sua teoria específica - na qual a seleção natural era a causa primordial - somente iria triunfar por volta de 1940, após ter sido integrada com êxito à genética.

O primeiro indício importante que colocou Darwin no rastro da evolução, na realidade, não surgiu nas selvagens ilhas Galápagos, mas três anos antes em uma tempestuosa praia no litoral norte da Argentina. Não tinha nada a ver com o formato do bico das aves. Nem sequer com alguma criatura viva. Era uma jazida de fósseis.

Em Setembro de 1832, o Beagle ancorou ao largo de Bahía Blanca, um povoado na extremidade de uma baía situada cerca de 650 quilômetros ao sul de Buenos Aires. Na época, o general Rosas travava uma guerra inclemente contra os indígenas da região, e Bahía Blanca era um posto avançado e fortificado, guarnecido por militares. Durante mais de um mês o Beagle permaneceu ali, com alguns dos tripulantes realizando levantamentos, outros se encarregando de tarefas em terra firme - como assegurar o reabastecimento de água, lenha e alimentos. A paisagem circundante eram os pampas argentinos, férteis campos relvados que, perto da costa, davam lugar a dunas de areias estabilizadas por gramíneas. Os tripulantes que se embrenhavam no interior retornavam com veados, cutias e outros animais, entre os quais vários tatus e uma grande ave que não voava, a qual Darwin chamou de "avestruz". Claro que não era um avestruz (que é nativo da África e, antes, do Oriente Médio) - mas sim uma ema, especificamente uma Rhea americana, parecida com o avestruz e endêmica na América do Sul, onde é a ave mais pesada do continente.

"O que comemos hoje no jantar iria parecer muito bizarro na Inglaterra", anotou Darwin em seu diário em 18 de setembro, deleitando-se com os "bolinhos de avestruz & tatu". Ele estava mergulhado em uma aventura exótica, e não apenas em uma expedição de história natural; e o diário que manteve a bordo (mais tarde transformado em um livro de viagens que viria a ser conhecido como A Viagem do Beagle) reflete seu interesse por distintas culturas, povos, políticas e assuntos científicos. A carne vermelha da ave de tamanho avantajado lembrava a bovina. O tatu, despojado de sua carapaça, tinha o mesmo gosto e se assemelhava a pato. Suas experiências culinárias nos pampas, e depois na Patagônia, acabariam desempenhando papel crucial no desenvolvimento de suas ideias sobre a evolução.

Pouco depois, em 22 de setembro de 1832, Darwin e Fitzroy tomaram um pequeno barco para visitar um local conhecido como Punta Alta, a 16 quilômetros de onde estava fundeado o Beagle, no qual toparam com afloramentos rochosos próximos do mar. "Esses foram os primeiros que vi", escreveu Darwin, "e são muito interessantes, pois contêm incontáveis conchas e ossadas de grandes animais."

A despeito do nome, Punta Alta não era muito elevada, com sua escarpa avermelhada de xisto limoso assomando apenas 6 metros acima do mar. No entanto, o mesmo não se poderia dizer dos fósseis ali expostos: formas de grande porte, inusitadas e em abundância. Darwin e um ajudante logo atacaram a rocha mole com picaretas. Nessa oportunidade e em ocasiões posteriores, ele conseguiu recolher de Punta Alta os restos de nove mamíferos de grande porte, todos desconhecidos ou mal conhecidos pelos cientistas. Eram gigantes extintos do Pleistoceno, encontrados apenas nas Américas em uma época anterior a 12 mil anos atrás.

O mais famoso deles era o Megatherium, uma preguiça terrestre tão grande quanto um elefante que já fora identificada e descrita pelo anatomista francês Georges Cuvier, que se baseara em um conjunto de fósseis achado no Paraguai. Preguiças vivas são nativas e encontradas apenas nas regiões central e meridional do continente americano; o Megatherium apresentava muitas das características anatômicas da preguiça, mas era grande demais para subir em árvores. Os achados de Darwin também incluíam pelo menos três outras preguiças gigantes terrestres, uma forma extinta de cavalo e uma carapaça protetora formada por pequenos escudos ósseos bem encaixados, resquício de um enorme animal que deve ter sido bem parecido com o tatu. Ele já estava habituado aos tatus de "carne e osso", constantes em seu cardápio local. Também viu como os gaúchos locais capturavam esses animais e os assavam na própria carapaça. Das 20 espécies de tatu vivas, todas estão restritas às Américas e várias são endêmicas nos pampas.

Um mês depois, 50 quilômetros costa acima desde Punta Alta, Darwin encontrou outro penhasco litorâneo rico em fósseis. Ele erguia-se a 35 metros e dava nome à localidade de Monte Hermoso. Ali o pesquisador escavou os pétreos resquícios de várias criaturas roedoras, que lhe trouxeram à mente imagens de uma cutia, de uma capivara e de um pequeno roedor sul-americano, o tuco-tuco - o único problema era que, também nesses casos, a equivalência entre os fósseis e os animais vivos era evidente, mas não perfeita. Ainda mais tarde, numa região no sul na costa da Argentina, exumou um terceiro conjunto de ossos de mamífero, o qual, para um anatomista que depois o examinou, sugeria uma forma extinta de camelo. Essa criatura ficou conhecida como Macrauchenia. A família dos camelos inclui duas espécies selvagens sul-americanas, o guanaco e a vicunha, assim como suas formas domesticadas, o lhama e a alpaca.

Tais achados, analogias e justaposições ficaram fermentando em sua mente durante a viagem e os anos seguintes. Enquanto isso, os fósseis foram embalados e enviados à Inglaterra, quase todos aos cuidados de John Stevens Henslow, o afável botânico que fora mentor de Darwin em Cambridge. "Tive sorte com esses ossos fossilizados", contou ele a Henslow em uma carta. Darwin mencionou o roedor gigante, as preguiças terrestres e o fragmento com escudos ósseos poligonais, comentando a respeito deste último: "Logo que os vi me ocorreu que devem pertencer a um tatu enorme, de cujo gênero as espécies vivas são tão abundantes por aqui".

É importante não exagerar o quanto Darwin não sabia como identificar, para não falar em interpretar, o que havia encontrado. A maioria de seus fósseis, com exceção do Megatherium, era de espécies pouco conhecidas dos especialistas. Ele confiou a descrição e a identificação de seus fósseis a um jovem e brilhante anatomista que vivia em Londres chamado Richard Owen, que estava consolidando sua reputação como autoridade em mamíferos extintos. Foi Owen quem atribuiu nomes às preguiças desconhecidas, e também foi ele quem sugeriu (de maneira equivocada, mas posteriormente reconheceria o erro) a afinidade entre o Macrauchenia e o camelo.

Darwin, porém, nem de longe tinha o conhecimento de Owen. Ele era apenas um pesquisador de campo perspicaz, um entusiástico coletor de espécimes, que estava aprendendo na prática. O convite para embarcar no Beagle o salvou de uma frustrante existência como pastor na zona rural, e desde seus primeiros dias a bordo ele se empenhou com toda diligência possível, amadurecendo para assumir (e depois transcender) o papel de naturalista da expedição. Suas melhores qualidades para interpretar os fósseis eram a incessante curiosidade, o talento para a observação acurada e a percepção instintiva de que, no mundo da natureza, tudo está de algum modo conectado a todo o resto. Além disso, Darwin não tinha medo de especulações ousadas - pelo menos enquanto não tivesse de divulgá-las.

Meses depois, Darwin teve acesso a outro dado, pequeno mas sugestivo, enquanto o Beagle estava fundeado ao largo da Patagônia setentrional. Lá, ele teve a chance de passar um tempo em terra firme, convivendo com outro grupo de gaúchos. Primeiro, era uma notícia vaga: os gaúchos mencionaram um tipo raro de "avestruz", de tamanho menor que o normal, com pernas mais curtas - e que podia ser morto com facilidade quando usavam suas boleadeiras -, mas que em todos os outros aspectos se assemelhava ao avestruz comum. Darwin não pensou que poderia topar com tal ave até que um dos tripulantes do barco trouxe um "avestruz" menor (na verdade, outra espécie de ema) de uma de suas excursões de caça. Darwin prestou-lhe pouca atenção, supondo tratar-se de um animal jovem. "A ave foi preparada e cozida antes que volvesse minha lembrança", escreveu. "Mas a cabeça, o pescoço, as pernas, as asas, muitas das penas maiores e grande parte da pele haviam sido preservados." Após recuperar esses fragmentos, ele os enviou à Inglaterra, onde foram recompostos em um espécime digno de ser exibido no museu da Sociedade Zoológica. O ornitólogo John Gould, a quem Darwin confiaria seus tentilhões e sabiás para serem identificados, também examinou a criatura. Gould confirmou tratar-se de uma espécie distinta, e a batizou como Rhea darwinii (nome que mais tarde seria alterado devido a problemas técnicos de taxinomia), em homenagem ao homem que a resgatara do lixo do navio.

O que intrigava Darwin a respeito das duas espécies de ema era que, embora similares, em termos de distribuição geográfica havia sobreposição muito pequena de suas populações. A ema maior vivia nos pampas e no norte da Patagônia. Já a menor a substituía desde o rio Negro, ocupando o sul da Patagônia. Assim como os indícios de mamíferos extintos, as implicações dessa diversidade e distribuição das emas se comprovariam tão sugestivas para Darwin quanto os padrões que ele ainda iria identificar entre os tentilhões e sabiás de Galápagos.

De que modo se originam as espécies e como elas adquirem identidade? A história ortodoxa, então adotada pela ciência europeia na época da viagem do Beagle, era a de que Deus criara as espécies em separado, em lotes sequenciais (para compensar as extinções), em áreas específicas - canguru na Austrália, girafa e zebra na África, ema e preguiça e tatu na América do Sul. No entanto, para Darwin, tanto os mamíferos extintos (junto com seus equivalentes vivos entre as preguiças e os tatus) como as duas espécies de ema (ocupando regiões adjacentes de território) sugeriam algo mais racional: os conceitos de parentesco e sucessão entre espécies relacionadas. Essa foi a explicação que atraiu Darwin, pois parecia mais concisa, mais indutiva e mais convincente que a justificativa criacionista.

Que importância tiveram os indícios da Patagônia para abalar sua crença na concepção ortodoxa - convencendo-o de que a evolução era uma realidade para a qual deveria procurar uma explicação material? O próprio Darwin daria várias respostas a essa questão ao longo de toda a vida - explicando, em linhas gerais, que tais indícios foram menos importantes que as aves de Galápagos.

Ele fez alusão ao tema em 1845, na segunda edição da narrativa de sua viagem no Beagle, por ele revisada de modo a incluir sugestões dissimuladas sobre a teoria que ainda não estava disposto a divulgar. As relações entre fósseis e formas vivas como roedores, preguiças, camelos e tatus foram "os fatos mais interessantes", observou ele. Pesquisas adicionais por outros investigadores haviam, entretanto, revelado o mesmo tipo de padrão no Brasil - formas fósseis e vivas de tamanduás, antas, macacos, porcos selvagens e gambás. "Esse relacionamento maravilhoso no mesmo continente entre os mortos e os vivos", escreveu Darwin, poderia "lançar mais luz sobre o surgimento dos seres orgânicos na Terra, e também o desaparecimento deles, que qualquer outro conjunto de fatos." Mas que tipo de luz? O que tal esclarecimento poderia revelar? A metáfora da iluminação era uma das prediletas de Darwin, e ele voltaria a usá-la, mas só depois de uma década e meia de hesitações - até que estivesse pronto para fazer brilhar o feixe ofuscante de sua teoria em público.

Há ainda outra questão intrigante a respeito dos fósseis e emas: em que momento tais indícios fizeram diferença para Darwin, inclinando-o no sentido da ideia de evolução? A concepção mais aceita é a de que ele retornou da viagem do Beagle ainda sem ser evolucionista, apenas intrigado com o que vira, e que deu o grande salto ao pensamento evolutivo após suas consultas em Londres, com John Gould e Richard Owen, sobre os espécimes de ave e fósseis que lhes enviara. (Logo depois ele começou a usar novo termo para o processo: "transmutação".)

Mas nem todos os cientistas digerem bem essa versão. "Creio que ele ficou convencido muito antes", comenta o historiador da paleontologia Paul D. Brinkman. Estamos sentados em seu escritório no Museu de Ciências Naturais da Carolina do Norte, em Raleigh, em meio a um retrato do jovem Darwin, um cartaz do filme Jurassic Park e fotos de uma antiga preguiça terrestre e de espécimes de gliptodonte. "Como explicar essa semelhança entre a fauna fóssil e a fauna atual daquela área? Por que elas seriam tão aparentadas?", pergunta ele, recolocando as questões que Darwin deveria se ter posto. Os antigos roedores e as cutias vivas, os gliptodontes e os tatus - por quê? "Creio que uma das possíveis explicações que ele vinha remoendo, já em 1832, era a de que um gerava o outro. Transmutação."Mas até mesmo Brinkman admite que existem apenas indícios tênues para a sua hipótese de que Darwin teria se convertido ao evolucionismo muito antes de pôr os pés nas praias de Galápagos.

Um testemunho obscuro deve-se ao próprio Darwin, já próximo do fim da vida, na autobiografia particular que escreveu para a sua família. "Durante a viagem do Beagle", lembrou ele, "fiquei muito impressionado ao descobrir na formação pampeana grandes fósseis de animal revestidos de uma carapaça semelhante à dos tatus atuais." Também aludiu às emas e às espécies de Galápagos, que diferiam de uma ilha para a outra. "Era evidente", escreveu, "que fatos como esses, assim como muitos outros, podiam ser explicados pela suposição de que as espécies se modificam aos poucos, e o tema passou a perseguir-me." E desde aquela época também vem assombrando os estudiosos.

Após completar o seu trabalho de levantamento da costa da América do Sul, o Beagle passou um ano completando uma circunavegação do mundo, retornando à Inglaterra em outubro de 1836. Darwin, então com 27 anos e um naturalista tarimbado, cansado de viajar e ansioso por voltar para casa, também havia mudado em outros aspectos. Já não era mais capaz de ver a si mesmo se dedicando a uma paróquia rural; agora iria devotar sua vida à pesquisa científica. E havia, pelo menos, começado a perder a crença na imutabilidade das espécies. Não há como saber com certeza, mas na época ele já identificara a mais importante questão, embora ainda faltasse muito para a grande resposta, que iria dominar o restante de sua vida profissional.

Com os seus espécimes distribuídos para serem identificados por especialistas - as aves ficaram com Gould; os fósseis de mamíferos, com Owen; os répteis, com o zoólogo Thomas Bell -, Darwin passou a colocar seus pensamentos em ordem e a explorar suas pistas. Em seu caderno de anotações privado ele explorou as ideias mais estapafúrdias a respeito de avestruzes, de guanacos e da possibilidade de "uma espécie transformar-se em outra". Em caso afirmativo, como poderia ocorrer tal transformação? Cerca de um ano e meio depois, após adicionar um elemento crucial a suas concepções (a hipótese de reprodução supérflua e de luta pela existência, aproveitada de um ensaio sobre a demografia humana escrito por Thomas Malthus), Darwin afinal topou com a pedra angular de sua teoria: a seleção natural, pela qual os indivíduos mais bem adaptados de cada população sobrevivem e deixam descendentes, ao contrário dos menos adaptados. Em seguida, ele explorou, refinou, aperfeiçoou e manteve em sigilo essa teoria durante 20 anos, até que um homem mais jovem, Alfred Russel Wallace (veja reportagem na edição de dezembro de 2008), teve a mesma conclusão, forçando Darwin a divulgar logo suas ideias.

Isso foi em 1858. Nessa altura, Darwin já começara a escrever um tratado sobre a seleção natural, carregado de notas de rodapé. Tomado de pânico, sentindo-se ameaçado, mas reanimado pela incrível urgência da história que tinha para contar, ele colocou de lado o alentado volume que vinha compondo e escreveu uma versão mais concisa. Essa versão abreviada, feita às pressas, deveria ser apenas um "resumo" da teoria e dos dados que a sustentavam. Ele o chamou de "meu volume abominável", pois, mesmo após décadas de cogitações e adiamentos, o processo de escrita se revelou tenso e doloroso. O título que concebeu foi "Resumo de um Ensaio sobre a Origem das Espécies e das Variedades por Meio da Seleção Natural", mas o editor o convenceu a aceitar algo mais atrativo. Por fim, o livro foi publicado, em novembro de 1859, com o título Da Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural. O êxito de vendagem foi imediato.

Cinco outras edições sairiam do prelo ainda durante a vida de Darwin. Quase ninguém contestaria que se trata da mais importante obra científica isolada jamais publicada. Depois de 150 anos, ainda há quem o venere e quem o deplore, e A Origem das Espécies continua a exercer extraordinária influência - embora, infelizmente, sejam poucos aqueles que se deem ao trabalho de ler o livro.

As pistas que o levaram a formular sua teoria continuam em parte esquecidas - foram excluídas do relato lendário. Os estudiosos debatem a relevância das criaturas extintas e vivas encontradas na Argentina, sobretudo as preguiças terrestres e os gliptodontes, as preguiças arbóreas, os tatus e as emas. Os indícios são confusos, mesmo nos comentários sobre a questão feitos pelo próprio Darwin. O mais eloquente deles, na minha opinião, está em local tão visível que tende a passar desapercebido. Trata-se das duas sentenças iniciais de A Origem das Espécies, que abrem o livro em tom nostálgico. Dizem elas: "Quando a bordo do HMS Beagle, na condição de naturalista, impressionaram-me muito certos fatos na distribuição dos habitantes da América do Sul, e nas relações geológicas entre os habitantes presentes e passados daquele continente. Esses fatos me pareciam lançar alguma luz sobre a origem das espécies..."

Os tentilhões de Galápagos só aparecem no texto cerca de 400 páginas depois.
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